domingo, 20 de março de 2011

Entre o baú e o Ipad

Quero falar de como nos relacionamos com passado, o presente e o futuro quando o assunto é nossa própria  vida. 

Recordei uma conversa recente que tive com uma pessoa querida e com mais estrada de vida do que eu! Ele afirmara que a vida só existe "daqui pra frente", ou seja, que o passado não importa e o dia de hoje só dura as exatas 24 horas. Ainda, que o futuro, tal qual o passado, não deve ser considerado.

Bem, confesso que essa afirmação colocada numa perspectiva de verdade absoluta para aquele que me proferira me colocou em revisão da minha própria "verdade" sobre o tema.

E me deparei com duas idéias centrais: o BAÚ e o IPAD. O primeiro, cumpre no sentido figurado a função de guardar os vestígios e lembranças do passado, vida vivida de fato, individual e coletiva, que cada um guarda em sua memória afetiva ou intelectual. O segundo, nosso mais novo brinquedo tecnológico, representa um mundo de possibilidades num espaço em branco, que se renova com o novo dia, um novo arquivo aberto onde podemos escrever e reescrever a vida a ser vivida.

A idéia de desapego total do meu baú para assumir que a vida de fato só guarda valor pelos momentos vividos num tempo presente me exigiria um afastamento importante das "verdades" construídas a partir das experiências do meu passado que compartilhei com dezenas de pessoas.

Já a idéia de aconchegar minhas ansiedades numa página em branco, que vai sendo preenchida na medida em que me permito viver esta ou aquela nova experiência do dia de hoje, nas 24 horas de cada dia, me demanda uma disponibilidade de intensidade de vida que, vamos falar a verdade, não fomos educados pra isso! Ao menos, eu não fui.

Retomando a conversa com o pensador do conceito original, que acredita veemente que devemos lacrar o BAÚ e abrir diariamente nosso IPAD, percebi que essa recomendação esbarra um pouco num tema que tem me mobilizado há alguns poucos anos, a liquidez da vida contemporânea! O autor dessa referência, Zygmunt Bauman, sociólogo renomado da atualidade, afirma que: 
A modernidade líquida em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos(...). A líquida racionalidade moderna recomenda mantos leves e condena caixas de aço!"
A minha leitura e tradução dessa citação vem reforçar que o nosso baú, o passado representado nessa peça antiga e pesada, está condenado pela vida flexível e ágil do tempo em que vivemos agora, nosso presente. A exigência pela rápida adaptação a novos cenários e ordens sociais é uma realidade e, se temos um "IPAD" talvez possamos transitar de maneira mais leve pela vida que vem pela frente a cada dia que começa. (Recomendo essa leitura e dos outros títulos desse autor)

Mas aqui, no meu processador, vaga uma questão de ordem: onde largar meu baú? como isolar essas memórias de vida para que não imobilizem o meu aproveitamento livre das milhões de possibilidades do presente ? 

Aqui vale, em minha opinião, a prática e não a teoria. E essa é uma missão difícil! Uma vez lacrado o BAÚ e aberto o IPAD, encarado o dia de hoje no nosso calendário pessoal, e focada nossa atenção para tudo aquilo que fazemos da nossa vida AGORA, basta, tão somente, praticarmos o conceito.

Valorizar cada palavra, sensação, escolha, sentimento, movimento que fazemos no presente e, com isso, as pessoas com as quais estamos tecendo nossas redes modernas e vivas, é o que poderá nos ajudar a isolar não somente os pensamentos do passado, como também, as expectativas quase sempre desajustadas sobre o nosso futuro, além dos conhecidos mecanismos sabotadores da verdadeira felicidade.

Tudo bem, não vou fazer resistência ao IPAD, até porque é um movimento necessário, mas terei trabalho  pra usar a página de hoje apenas para escrever conteúdos das vivências de agora, até porque minha memória é implacável em me lembrar do "BAÚ" que ainda carrego.

Vou providenciar o meu IPAD, última versão lançada. Quem sabe mostra recursos novos pra lidar com a vida em plena mutação ?

Kate

Um comentário:

  1. Boa Tarde.. Gostei do seu blog é divertido e os conteúdos são variados, sou sua mais nova seguidora, vamos compartilhar experiências e tudo mais que essa vida louca nos reserva. Bjs

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